OS
CASAIS AÇORIANOS
DE CUBATÃO - SÃO PAULO - BRASIL
Inez Garbuio Peralta
Universidade de São Paulo
São Paulo – Brasil
1 – A CAMINHO DO DESTINO: OBSTÁCULOS
Os colonos egressos das ilhas dos Açores,
que se dirigiram para a capitania de São Paulo, tiveram uma trajetória
bastante acidentada até chegarem finalmente em suas sesmarias. Os colonos
açorianos encaminhados para a capitania de São Paulo viviam
desde 1813 no núcleo de colonização, criado por ordem
do governo real de D. João em Casa Branca. Dessa Freguesia saíram
cinco famílias para irem para Curitiba, contudo decidiram ficar em
Cubatão – Santos.
No núcleo de Casa Branca as famílias deveriam
receber terras para cultivar, casa, ferramentas agrícolas e certa quantia
em dinheiro para se manterem enquanto as terras não produzissem. O
rol dos benefícios que os ilhéus deveriam receber consta das
Instruções assinadas pelo Tenente-Coronel do Real Corpo de Engenheiros
Daniel Pedro Müller e estão anexadas a Portaria ao senhor Anselmo
de Oliveira Leite, Diretor dos Ilhéus da Povoação de
Casa Branca, datada de 7 de fevereiro de 1816, do conde de Palma – Governador
e Capitão General de São Paulo.
Nessa portaria Francisco de Assis Mascarenhas afirma que
os ilhéus devem conhecer e cumprir suas obrigações e
que o Diretor cuide para que não falte aos mesmos socorro algum que
lhes tenha sido prometido no Real nome. As doze instruções do
Tenente Coronel Daniel Pedro Müller, englobam todos os benefícios
oferecidos aos ilhéus. Na 1ª consta que cada casal deverá
receber “ 600 braças em quadra pelo menos contanto porém, que
cada porção seja habitável, reunindo as propriedades
de água, mato de cultura e campo de pastagem...” ( D.I., 1967, v. 90:
24).
A segunda Instrução manda que o Diretor “...
nos lugares mais próprios para as moradas ... faça levantar
uma casa de palha de 40 palmos de frente e 30 de fundo ...” ( D.I., 1967,
v.90: 24). A instrução quinta ordena: “ O Diretor fará
a compra do gado e ferramentas, constante da Relação Junta,
e mandará igualmente completar os Arados necessários, e fará
enfim as distribuições competentes, procurando que tudo seja
a contento dos Ilhéus.” ( D.I., 1967, v.90:24). A 7ª instrução
afirma: “ Receberá cada cabeça de casal cem réis por
dia e além disso mais 40 réis para cada filho entrando neste
grau, por seis vezes as famílias dos Ilhéus Manuel Rapozo, Antonio
Raposo e José da Costa”. ( D.I., 1967, v.90:24). A oitava instrução
isenta os filhos destes colonos de “... Recrutas de Tropas de Licença
e Milícias, cuida dos serviços das Ordenanças exigindo-se
deles unicamente aplicação a agricultura; e o bem de seus interesses.”
( D.I., 1967, v.90:25).
Permeia tanto a Portaria ao Diretor dos Ilhéus de
Casa Branca, como as instruções do Tenente Coronel Daniel Pedro
Müller conselhos e orientações que devem ser dadas aos
Ilhéus para que não saiam da povoação sem licença,
trabalhem, não se entreguem ao ócio e sejam morigerados, pois
resultará “... da conduta contrária o ressentimento do nosso
Ilmo. e Exmo. Sr. General que com toda justiça procederá aos
castigos de que se fazem dignos os vassalos de S.A.R. inúteis pela
sua preguiça e devassidão.” ( D.I, 1967, v. 90: 25). Contudo,
as instruções não foram cumpridas com a rapidez que os
açorianos desejavam e ainda dada as dificuldades em derrubarem as árvores
de “perobas” para poderem plantar, alguns casais, no mês de março
de 1816 fugiram do distrito de Casa Branca.
Diante do fato, o Presidente da Capitania de São Paulo, D. Francisco
de Assis Mascarenhas, Conde de Palma, aceitou a proposta de Daniel Pedro Müller
acolhendo os casais açorianos que desejavam sair de Casa Branca. Na
verdade não havia mais condições de alguns casais permanecerem
em Casa Branca, após a fuga de cinco deles do distrito para irem à
Corte exporem sua situação conforme informou o tenente coronel
Daniel Pedro Müller, ao Conde de Palma em 10 de abril de 1816. Esses
ilhéus, irredutíveis em seu propósito de mudar de local,
estavam “... amparados nas determinações de D. João,
de 22 de Janeiro de 1816, que lhes facultava escolher as terras que desejavam
para seu estabelecimento.” (Trevisan, 1982:96).
Alguns dias depois, em 20 de abril, o Presidente da Província assina
uma portaria ordenando que se preste auxílio a alguns casais de ilhéus.
O teor da Portaria é o seguinte: “ Por ser conveniente que se mudem
para a vila de Coritiba os Casais de Ilhéus, que estão na freguesia
de Casa Branca, cujas cabeças são Manuel Antonio Machado, Antonio
Rapozo, Manuel do Conde e Manuel Espínola Bitencurt e sendo do meu
agrado e consideração que isso se faça da melhor maneira
possível espero que as autoridades civis e militares, a quem esta for
apresentada lhe prestem o necessário auxílio para o seu transporte
até esta cidade. São Paulo , 20 de abril de 1816. Com a Rubrica
de S. Exa.”. (D.I., 1967, v.90:30).
Embora os açorianos reiterassem os pedidos de doação
de sesmarias e as reclamações de promessas não cumpridas,
eles eram bem quistos e respeitados em Casa Branca. Conforme informação
do capelão da Freguesia de Casa Branca, padre Francisco Godoy Coelho,
em Ofício ao Governador da Capitania de São Paulo, Conde de
Palma, os ilhéus eram bem recebidos e aceitos pela população
local que os admirava.
Escreve o dito Padre Francisco em 20 de fevereiro de 1816: O povo deste sertão,
me pede rogue a V. Exa. o seu valimento e patrocínio a fim de que sejam
conservados estes ilhéus, nesta terra tão fértil e abundante
em razão de se aproveitarem e aprenderem as manufaturas e plantações
do linho, vides e mais serviços que desejam aprender, e todos mui contentes
ficaríamos com o estabelecimento deles nesta terra ao menos por 4 anos,
e neste tempo ficariam os povos com alguma tintura daqueles benefícios
e plantações de suas fábricas. Igualmente este sertão
não ficaria desacreditado. Sim convidaria para o futuro maior número
de ilhéus para se tornarem essas povoações felizes e
industriosas e todo este aumento do Estado .( D.I. Caixa 14, ordem 241).
Os ilhéus de Casa Branca deram um novo alento à Freguesia. Em
Casa Branca “... as filhas dos ilhéus deixaram fama de grande beleza”.
(Trevisan, 1982:76). Contudo, na opinião de algumas autoridades como
o Conde de Palma os ilhéus “ eram invejosos e vadios, sem préstimo
algum, chegando mesmo a vender o gado e ferramentas para alimento de seus
vícios...” (Trevisan, 1982:89). Tal opinião é compartilhada
pelo capelão de Casa Branca que na parte inicial da Carta de 1816,
enviada ao Conde de Palma faz afirmações desabonadoras de alguns
ilhéus. Diz o referido padre que as grosserias dos ilhéus tem
na verdade servido de sacrifício à sua paciência.
O padre afirma que “não tem descuidado em instruí-los para que
sejam bons cristãos e bons vassalos, lembrando-os das obrigações
que lhe são anexas como a fidelidade, o amor, a obediência ao
soberano e a subordinação aos seus chefes e governadores.” E
ainda que “ não pode ser bom cristão quem não for bom
vassalo”. Diz o padre que tentou persuadi-los de se contentarem com o benefício
que receberam do Regente e ainda que não desgostassem de S. A. com
“ seus orgulhosos procedimentos.” O padre conclui a missiva desiludido. “Nada
Sr. Exmo., nada faria àqueles duros corações” Apenas
quatro casais ficaram muito satisfeitos e contentes. São eles Jose
D Avila Netto, Jozé das Rozas, Jose da Costa e Francisco Cardoso.
“Os demais, cujo cabeça é o ilhéu Mel. Espíndola
Bitencourt, dizem que querem ir povoar Santa Cruz, ou Cantagalo, por ser perto
do Reino, e decisivamente dizem que daqui nada querem.” Uma série de
desencontros, erros cometidos, enganos, injustiças sofridas e promessas
não cumpridas levou os ilhéus a se mudarem de Casa Branca. Os
casais, com suas famílias, cerca de 26 pessoas foram acompanhados pelo
Coronel Engenheiro João da Costa Ferreira para uma nova localidade
que lhes agradasse; e temendo fazer nova viagem por mar e “... tendo eles
visto alguns terrenos junto ao povoado de Cubatão, manifestaram-se
interessados em formar ali suas culturas.” ( Trevisan, 1982:94).
Os terrenos escolhidos pelos ilhéus, orientados por Daniel Pedro Müller,
estavam desocupados e parte das terras, cobertas por mata virgem, haviam sido
dos jesuítas até 1759, quando estes foram expulsos. Eram ainda
terras devolutas e pertenciam à Fazenda Real. O Coronel Engenheiro
João da Costa Ferreira, que acompanhara os ilhéus até
Cubatão, ao dar conta de sua missão “... e para maior esclarecimento
, desenhou um mapa topográfico assinalando as passagens pretendidas.”
(Trevisan, 1982:94). O Conde de Palma, ao apresentar à Junta Real da
Fazenda o projeto do estabelecimento dos casais de ilhéus nas terras
da Fazenda do Cubatão afirma que aquelas terras pertenciam à
Coroa.
Diz o referido Conde em 05/07/1816, “ De mais as terras que se pedem não
tem benefício algum, são terras brutas sem cultura; a Fazenda
Real nenhum interesse tem tirado delas até agora, os terrenos pedidos
não obstam a pastagem dos animais que conduzem os gêneros do
nosso comércio para Santos, antes o aumento de população
naquele ponto é de suma utilidade para o mesmo comércio por
muitas, e mais claras razões, que a todos são bem manifestas.”
(Trevisan, 1982:95).
Ainda em 1816, por ordem do Conde Palma “ Foram construídas as casas
nos respectivos terrenos, para os colonos residirem ... e pagas pela Fazenda
Real, ao preço de 82$800.” (Trevisan, 1982:95).
Esses colonos formavam um grupo significativo composto pelas seguintes famílias
Manuel Antônio Machado, casado com Domingas da Conceição
com os filhos Manuel e Maria; Manuel do Conde Paes, casado com Joana Francisca
da Conceição com os filhos Manuel, Mateus, Maria, Rosa, Joaquina
e Teodora; Manuel Espínola de Bitencourt, casado com Maria Antônia
de Jesus com os filhos Antônio, Francisco, José, Maria, Rosa
e Ana; Manuel Correa de Melo, casado com Maria Josefa e com os filhos Manuel,
Domingos, Maria, Mariana e Francisca e Antônio Raposo conhecido também
como Manuel Raposo por engano do escrivão que registrou sua carta de
sesmaria com o nome de Manuel ao invés de Antônio. Antônio
raposo era casado com Ana Maria e tinha quatro filhos: Manuel, Maria, João
e José.
Como o tempo passava e o Conde de Palma não deferia os inúmeros
requerimentos dos ilhéus pedindo suas cartas de sesmarias estes dirigiram-se
em 1817 ao Rei pedindo a Concessão de meia légua em quadra para
cada um dos suplicantes. Alegavam, Manuel Antônio Machado e outros que
já tinham feito “algumas feitorias e plantações para
sustento de suas famílias”, mas precisavam dos títulos “...
cada um saber até que limite chega a sua posse e domínio, e
até onde podem trabalhar, pois que, não terem os suplicantes
títulos, estão sofrendo vexames e prejuízos de uns homens
que andam cortando madeiras nas terras onde os suplicantes residem, com o
que tem arruinado suas plantações, dizendo eles que as madeiras
são para o serviço de S. Majestade” ... “ e não obstante
terem os suplicantes requerido ao Exmo. Conde General para que lhes mande
passar os seus títulos ou Cartas de Sesmaria, nunca foram deferidos,
motivos estes por que alguns dos suplicantes empreenderam vir pessoalmente
por si e por todos prostrar-se aos augustos pés de V. Majestade, afim
de que lhes faça a graça de mandar passar Carta de Sesmaria
de meia légua, em quadra, a cada um dos suplicantes, para não
só ficarem com seus títulos, como para saberem o que lhes pertencem
e aos seus filhos para não terem embaraços e dúvidas
para o futuro com outros sesmeiros...” (Costa e Silva Sobrinho 1957:128-131).
A resposta do Rei foi a ordenação ao Conde de Palma para conceder
as cartas de sesmaria aos ilhéus nos sítios em que tivessem
suas plantações e a imediata expedição dos respectivos
títulos. O governador e capitão general de São Paulo
justificando a demora na concessão das sesmarias e revelando seu desagrado
a proteção real dada aos ilhéus e ainda irritado com
a atitude de independência e altivez dos açorianos envia um Ofício
ao Rei em 15/11/1817 fazendo-o ponderar que: “A Fazenda do Cubatão
é cortada de um largo Rio, que precisa de Ponte, ou de Barca para se
passar, e então é obrigada a dar de um dos lados dele terreno
para pastos das tropas de quase toda a capitania, que ali vão embarcar
os gêneros do Comercio para a Vila de Santos, e pagar os direitos de
passagem: o que fica da Fazenda não é tanto, que sem maior detrimento
da mesma Fazenda se possa conceder a cada um dos Suplicantes o determinado
terreno mas somente aquele cuja posse lhes for concedida, com bastante conhecimento
de causa: porém pela Junta da Fazenda se lhes passarão os títulos
de domínio absoluto na forma que requerem logo que S. Majestade assim
o determine ampliando a primeira ordem.” (Trevisan, 1982:97).
Como podemos notar, o Conde de Palma chama atenção do Rei para
as dificuldades do terreno para a concessão dos títulos de posse
aos sesmeiros. A situação dos ilhéus de Cubatão
não se encaminhava para uma solução satisfatória.
Eles queriam suas cartas de concessão pois o título era a garantia
da posse das terras. Um novo fato provocou a irritação do Rei
com relação a esses colonos. O fato se deu pela associação
do nome de Miguel Espínola Bitencourt de Curitiba com o de Manuel Espínola
Bitencourt de Cubatão. Este e os demais, já acomodados no Cubatão
queriam apenas seus títulos definitivos de posse e aumento de pensões
enquanto aquele e os demais de Curitiba que ainda não haviam se estabelecido
queriam ir para a capitania de São Pedro. A associação
dos nomes provocou a confusão e fez com que o Rei acreditasse que todos
queriam se mudar novamente.
Tal acontecimento resultou num Ofício agressivo da Corte encaminhado
ao triunvirato que governava interinamente São Paulo, uma vez que o
Conde de Palma assumira o governo da Bahia em 19 de novembro de 1817. O Ofício
enviado por Thomas Antônio de Villa-nova Portugal à Junta Governativa
de São Paulo, em 02/06/1818 revela uma grande irritação
para com os ilhéus. “ Illmo. e Exmos. Srs. Foram presentes a El Rey
Nosso senhor os Ofícios números 26 e 27 de 15 de novembro do
ano passado, que o Conde de Palma me dirigiu, sendo Governador e Capitão
General desta Capitania, relativamente á mudança de terreno
e prorrogação da Pensão por mais dois anos com o aumento
de três vinténs diários, que requererão Miguel
Espínola Bitencourt, Manoel Antonio Machado e outros colonos vindos
das Ilhas dos açores: E verificando-se na Augusta Presença do
mesmo Senhor pelos referidos Ofícios, e pelo que também expôs
o Intendente Geral da Polícia sobre estas pertenções,
que os suplicantes não tem correspondido com os fins para que foram
mandados vir das Ilhas, e se colocaram nessa Capitania a custa de grandes
despesas, que com eles se tem feito, pois que entregando-se á ociosidade,
não tem cuidado da Lavoura das Terras, que lhes foram concedidas e
inutilizarão as sementes, os auxílios de gados, e até
venderão os Instrumentos aratórios que se lhe distribuirão:
tendo também, por condescendência do sobredito Conde Governador,
e com despesa dele, sido mudados da primeira sesmaria, que tiveram na Freguesia
de Casa Branca, que pela sua situação na Estrada Geral dessa
capitania para Minas e Goyazes, e pela fertilidade do seu terreno lhe poderia
ser mais vantajosa, se quisessem trabalhar; e não se contentando ainda
com as que atualmente tem na Fazenda e Terras do Cubatão de Santos,
que foram dos extintos Jesuítas, e na de Santa Anna, que lhes podem
também ser mui proveitosas até pela proximidade dessa Cidade
e daquela Villa, mostram bem que a nova pertenção da mudança
do Terreno nasce do gênio volúvel deles, e a da prorrogação
da Pensão tem por fim contarem com hum meio para poderem continuar
na ociosidade, e fazerem independente do trabalho a sua subsistência:
Não se dignou sua Majestade Deferir-lhes, e Revogando as ordens expedidas
por Aviso de 21 de outubro do ano dito passado a favor dos suplicantes, é
servido que eles se conservem aonde ultimamente se estabelecerão, que
esse Governo lhes dê os seus Títulos gratuitamente, e lhes ponha
um Inspetor que os faça conter na ordem, sujeição e trabalho
das suas Lavouras; e quando assim o não pratiquem, ,larguem as Terras
e vão para onde quiserem, com tanto que não emigrem fora deste
Reino. O que participo a V. Exa. e Mces. para assim o tenham entendido, e
façam executar.
Deos Guarde a V. Exa. e Mces. Palacio do Rio de Janeiro
em 2 de junho de 1818. – Thomaz Antônio de Villa-nova Portugal – Sr.
Bispo e mais Governadores Interinos de São Paulo. A demarcação
oficial dos limites dos terrenos de cada família só foi feita
em 1820. Embora esses açorianos tenham recebido as Cartas de Sesmaria
em 1819 (07/01), tomaram posse interinamente das mesmas, sem domínio,
em 1816. (Ata da Junta da Real Fazenda, São Paulo, 5 de Julho de 1816).
Manuel Antônio Machado recebeu 400 braças de terra, cujo início
era no cruzamento do caminho da serra com a estrada de Cubatão e chegava
até o morro que ficava à margem da mesma estrada. Divisavam
suas terras ao norte com a estrada de Cubatão; ao sul , com o citado
morro que ia até o rio; a leste com as escarpas desse morro que deitavam
para oeste, com a picada que ia de norte a sul, isto é, da encruzilhada
até o rio Cubatão.
Manuel do Conde Paes recebeu 46 braças de frente, com o início
junto a povoação de Cubatão rio abaixo; iam até
a foz do riacho Cafezal. Divisavam a leste, com o mesmo riacho até
a forquilha; ao norte com o braço da forquilha, que corria para oeste;
ao sul com o rio Cubatão e a oeste com os morros que iam dar no rio
Cubatão. Embora menor que as outras sua gleba possuía a vantagem
de ter casa próxima à povoação. Possuía
outra mais distante mas logo abandonada. Manuel Espínola Bittencourt
recebeu terras com 190 braças de frente, iniciando junto ao riacho
Cafezal, indo até a foz do Perequê. Limitava-se ao leste com
o rio Perequê; ao norte com a Serra Geral; ao sul com o rio Cubatão;
a oeste com o riacho Cafezal, seguindo até as terras de Manuel Conde.
Antônio (Manuel) Raposo recebeu 400 braças. A picada aberta para
delimitar as terras de Manuel Espínola servia para extremar as de Antônio
Raposo, em direção oeste. Como não podia fazer frente
pra o rio Cubatão, devido aos charcos ali existentes, fôra colocado
no Perequê um marco para divisório. Deste marco saia uma linha
reta de 400 braças, no fim das quais saía outra, da Serra Geral
até a beira do rio Cubatão.
Manuel Correa ficou com 400 braças frente ao rio Cubatão acima
do povoado contada a partir da região chamada “Cortumes”, em direção
rio abaixo: do extremo dessa linha seguiam duas outras rumo norte e sul que
chegavam até os contrafortes da serra. Em todos os pontos demarcados
foram colocados marcos pela Fazenda Real (Costa e Silva , 1957:134-135). No
mapa em anexo (p. 10), de 1852, encontram-se assinalados os nomes dos sesmeiros
e o local dos respectivos sítios. Esperavam os ilhéus receber
ajuda para sobreviverem até que as terras começassem a produzir.
Contudo a ajuda oferecida pelo governo não chegou. Os colonos não
tiveram auxílio para vencer as dificuldades. Tentaram a cultura de
trigo e linho mas não conseguiram ter sucesso. Plantaram café,
arroz, cana de açúcar, mandioca “... e as árvores de
espinho com sucesso. Pois estas se desenvolveram vigorosamente e com melhores
resultados.
Dois dos produtos cultivados pelos ilhéus estavam em alta nessa época,
o café que na primeira metade do século XIX, estava se desenvolvendo
bem no Brasil, e o açúcar produzido no quadrilátero açucareiro
que já ultrapassava 400 arrobas anuais. Em 1826 passou pela Barreira
do Cubatão de Santos 154.166 arrobas de açúcar e 8.831
arrobas de café; em 1828 foram 489.650 arrobas de açúcar
e 22.640 de café. (Peralta,1971:68). Em 1833 graças ao movimento
comercial, entre outras razões, bem como a produção agrícola
local Cubatão foi elevado à município. (Peralta,1973:
71). Contudo o município não chegou a ser instalado. A povoação
de Cubatão foi em 1841 incorporada à cidade de Santos.
2 – A POSSE DAS TERRAS : DIFICULDADES SUPERADAS
Cubatão, a povoação para qual dirigiram-se cinco casais,
- os chamados cinco manuéis na primeira metade do século XIX,
era um pequeno povoado. Sua população vivia da venda de fumo
e de aguardente, além de explorar a navegação das barcas.
O porto de Cubatão contudo era bastante movimentado. Localizado no
continente recebia e/ou remetia para Santos, os produtos do exterior e ou
do interior de São Paulo.
A população de Cubatão em 1813 era de aproximadamente
100 pessoas, num total de vinte e três (23) famílias, das quais
onze vivia do comércio (Peralta, 1971:31). Os viajantes que ali estiveram,
no século XIX, atestam o movimento do porto. Gustavo Beyer que passou
por Cubatão em 1813 afirma que presenciara no local “... uma centena
de mulas para serem arreadas e carregadas com as mercadorias que em canoas
chegavam de Santos.” (Peralta, 1971:31). Beyer afirma ainda que “ Defronte
da casa do guarda, ... (havia um) grande espaço plano, cujos lados
são ocupados por armazéns e outras casas...” (Beyer, 1908:24).
O posto alfandegário de Cubatão centralizava a vida da população
local. Havia no povoado ranchos para tropeiros e estalagem de pedra. (Peralta,1973:
23). Hercules Florence, ao passar por Cubatão em 1825 afirmou encontrar-se
ali um ponto de comércio bastante desenvolvido. Diz o referido viajante:
“Via diariamente chegar três a quatro tropas de animais e outras tantas
partiam. Cada tropa compõe-se de 40 e 80 bestas de carga ... As tropas,
ao descerem de São Paulo vem carregadas de açúcar bruto,
toucinho e aguardente de cana e voltavam levando sal, vinhos portugueses,
fardos de mercadorias, vidros, ferragens, etc...” (Florence, s/d). Um outro
viajante, Daniel Parish Kidder escreveu em 1839 “os animais descem a serra
carregados de açúcar e outros produtos agrícolas, trazendo
em sua volta, sal, farinha e toda a espécie de artigos importados...”
(Kidder,1940:168).
Cubatão, portanto, não era à chegada dos casais açorianos
uma região de intensa prática agrícola. A tônica
dos viajantes é sempre colocada na atividade comercial. Em 1825/26
passava pelo posto alfandegário do Cubatão de Santos de 500
à 550.000 arrobas de açúcar por ano. (Peralta,1973: 23)
Florence, “presenciando a atividade de Cubatão afirma que conheceu
quanto é freqüentado, embora fosse um núcleo de 20 e 30
casas mal construídas.” Conclue o autor “... é o entreposto
entre São Paulo e Santos” (Florence s/d).
Em 1825, existia no Cubatão Geral de Santos, os seguintes prédios:
08 no cais novo (todos de paisano); 11 na Praça (1 de Sargento mor,
2 de pardos, 1 de alferes, 7 de paisanos); 8 em frente da estrada (4 de paisanos,
1 de capitão mor, 2 de pretos forros, 1 de alferes); 1 no rio da Pedra
- pertencente a paisanos; 05 no Rio Aborino (SIC) (1 de preto forro, 1 de
capitão, 2 de paisanos, 1 de preto); 4 áreas pertencentes a
paisanos; 1 além do Rio pertencente a um preto. = 38 (Peralta, 1973:24).
É ainda de H. Florence a informação que o clima não
era e nunca seria totalmente salubre e que a região poderia tornar-se
muito comercial. Nesse entreposto comercial foram viver os cinco casais açorianos
em 1816. Os ilhéus logo começaram a fazer benfeitorias em suas
terras e iniciar as plantações. Desses colonos os que melhor
proveito tiraram foram Manuel Antônio Machado e Manuel Espínola
Bitencourt. Wendel afirma em seu texto Caminhos Antigos nas Terras de Santos
que: “ O engenho velho e o aqueduto de alvenaria com 200 metros de comprimento
de Manuel Machado, cujas terras começavam nas proximidades do Cruzeiro
atual, são ruínas históricas de Cubatão” (Wendel,1966:
219).
Manuel Espínola Bitencourt, colono açoriano, sesmeiro de Cubatão,
descendente da família Espínola de Gênova emigrados para
os Açores, ... , era em 1830, um dos três homens mais ricos do
Cubatão. No recenseamento de 1836, quando trata de Cubatão,
aparece Manuel Espínola com 77 anos de idade, branco, livre, naturalizado,
casado, agricultor com sítio próprio e com 600$000 de renda.
E ainda que vive de sua lavoura e colhe 400 alqueires de arroz. Apenas duas
pessoas possuíam renda igual a de Espínola. O sargento reformado
João Vicente Pereira Rangel, empregado na Barreira e José Joaquim
da Luz sargento-mor, inspetor das obras da estrada (Costa e Silva Sobrinho
1957:136).
Com certeza esses colonos passaram por dificuldades de várias origens.
As terras de Manuel Espínola Bitencourt foram em 1837, vinte anos depois
dele ali residir, invadidas por posseiros obrigando seu proprietário
a requerer nova demarcação de sua sesmaria. Em 25 de novembro
de 1837 foram colocados marcos de pedra nas divisas da sesmaria de Espínola,
“... gravados com uma cruz baseada em duas hastes formando um delta; seu desenho
encontra-se nos autos da referida demarcação.” (Trevisan, 1982:102)
No ano seguinte o Presidente da Província de São Paulo manda
proceder a uma inspeção nas terras pertencentes aos açorianos
de Cubatão. Em 28 de fevereiro de 1838, o capitão José
Marcelino do Amaral, cumprindo a Portaria de 09 de fevereiro do mesmo ano,
do presidente da Província de São Paulo, Brigadeiro Bernardo
José Pinto Gavião Peixoto, que o mandava ir a Cubatão
para “ fazer os exames necessários nas terras e matas que foram conferidas
aos colonos vindos da ilha dos Açores ” dá a seguinte informação:
“... os colonos Manoel Antônio, Manoel de Espíndola Bitencourt,
edificaram casas , n’ elas estão residindo e tem cultivado os terrenos
em partes, mas não com arado; Manoel Correa existe com vida, mas não
tem cultivado as terras que lhes foi dado, por isso que se acha em abandono;
Manoel do Conde tendo-se ausentado muitos anos, os terrenos que lhes foi dado
achando-se portanto em abandono, chama-se a posse deles Antônio José
Machado, filho do dito Espíndola sem que tenha título algum;
Manoel Raposo tendo-se também ausentado a anos e achando-se as terras
em abandono, chama-se a posse delas José de Sigra. (Siqueira?), genro
do sobredito Espindola igualmente sem título algum.”
Após descrever a situação produtiva das sesmarias de
alguns colonos açorianos de Cubatão mais de vinte anos após
a ocupação das terras, o representante do Presidente da Província
de São Paulo informa sobre as condições das matas (paus)
da região, uma das preocupações das autoridades, no século
XIX. Diz o referido autor do Ofício “ Quanto aos paus Reais de construção
... tendo corrido as matas pertencentes aos mencionados colonos, toda ela
... (donde se acha inteiramente desfalcada se deduz) que... eles não
tem respeitado a proibição de cortarem os ditos paus. O Ofício
vem datado de Cubatão 28 de fevereiro de 1838, endereçado ao
Brigadeiro Bernardo José Pinto Gavião Peixoto.
Os Espínola e os Machado, ambos da ilha Graciosa continuaram em Cubatão.
Manuel Espínola faleceu de idade bastante avançada em seu velho
casarão no sítio em 10 de abril de 1845. Tinha se casado duas
vezes. A primeira com Catarina de Santo Antônio e a segunda com Maria
Antonia de Jesus. Esta faleceu um mês após a morte de seu esposo.
Os sucessores de Manuel Espínola venderam o sítio para o alferes
Francisco Martins Bonilha, no mesmo ano de 1845. A descrição
da propriedade revela o que nela existia. Diz o contrato “ a parte que a cada
um tocar no sítio e terras da finada Maria Antonia de Jesus (viúva
de Manoel Espínola), avó deles, o qual é denominado Cafezal,
situado no Cubatão, com casas de morada, terras lavradias e pastos
de aluguel, cujo sítio tem as divisas que constam da carta de data
ou sesmaria concedida a seu finado avô Manuel Espínola Bitencourt,
como colono do Brasil por el Rei D. João VI...” (Costa e Silva Sobrinho,
1957:136).
Manuel Antonio Machado que viera para o Brasil em 1814, com 25 anos era casado
com Domingas de 20 anos, ambos naturais da ilha Graciosa. Possuíam
apenas um filho Manuel Antonio Machado Júnior com 5 anos, natural da
ilha Terceira; no Brasil tiveram nove filhos. O primogênito Manuel Antonio
Machado Júnior, morador de Cubatão, “ arrematou em praça
pública desta cidade, no dia 9 de julho de 1856 um sítio e terras
citas no lugar denominado Casqueiro, na Estrada que segue para São
Paulo...” (Costa e Silva Sobrinho,1957:127).
A agricultura iniciada pelos açorianos nos primórdios do século
XIX será um suporte econômico de Cubatão quando este perde
sua função alfandegária com a extinção
da Barreira em 1866, devido a construção da ferrovia que desloca
o comércio do povoado de Cubatão. Até a extinção
da Barreira Fiscal com seu rancho grande onde os tropeiros descarregavam seus
animais e pagavam as tachas manteve-se o comércio e o movimento da
povoação de Cubatão. Com a implantação
da ferrovia em 1867 o povoado vai pouco a pouco decaindo. Os sítios
e as pequenas fazendas, cuja produção, composta de bananas,
tangerinas, canas, pinga e rapadura era negociada com os tropeiros de passagem
para Santos ou para o Planalto foram, aos poucos, decaindo e desaparecendo.
Os herdeiros do sesmeiro Manuel Antonio Machado passaram a residir em Santos
e até nossos dias encontramos naquela cidade descendentes deste açoriano
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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à Capitania de São Paulo, no Brasil, no verão de 1813,
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da Cunha, entre o Cabo e o Brasil e que há pouco foi ocupada. Rev.
do IHG. São Paulo, vol. XII, Tip. do Diário Oficial, São
Paulo.
Costa e Silva Sobrinho, José da (1957) Romagem pela terra dos Andradas.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos.
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Kidder, Daniel P. (1940) Reminiscência de viagens e permanência
no Brasil (Rio de Janeiro e Província de São Paulo) São
Paulo: Martins.
Peralta, Inez G. (1973) O caminho do mar – subsídios para a história
de Cubatão. S.P.:Prefeitura Municipal de Cubatão.
Peralta, Inez G. (1971) O caminho do mar como fator de localização,
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de São Paulo, Dissertação de Mestrado. USP-FFLCH São
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Arquivo do Estado de São Paulo (1967) Documentos Interessantes para
a História e Costumes de São Paulo. Ofícios e Bandos
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vol. 90. São Paulo.
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José Garcia ao governador da capitania – Engenho da Graça (
Casa Branca ) 8 de julho de 1819. Ms. Inéd. Caixa 87, ordem 333.
São Paulo – Divisão de Arquivo do Estado. Carta de Francisco
Godoy Coelho, capelão de Casa Branca ao conde general Francisco de
Assis Mascarenhas de 20 de fevereiro de 1816. Caixa 14, ordem 241.
São Paulo – Divisão de Arquivo do Estado. Maços de população
de Santos (1830) Ms. Inéd. Microfilme 176.
São Paulo – Departamento do Arquivo do Estado. (1838) Oficio do capitão
José Marcelino do Amaral ao brigadeiro Bernardo José Pinto Gavião
Peixoto, Presidente da Província. Cubatão, 28 de fevereiro de
1838.
Trevisan, Amélia F.(1982) Casa Branca a povoação de ilhéus.
São Paulo: Edições Arquivo do Estado. (Coleção
Monografias 4).
Wendel, Guilherme (1966) Caminhos Antigos na Serra de Santos. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Santos. Santos. vol. 2
Mapa de Cubatão
– São Paulo em 1852 (Costa e Silva Sobrinho, 1957:137)