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GERAÇÃO PERDIDA
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Fernando Pessoa

......“1. Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã (no fato cristão) e que criou em si uma descrença em todas as outras fés.
......Os nossos pais tinham ainda o impulso credor, que transferiam do cristianismo para outras formas da ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que, mais cristãos ainda, iam buscar a orientes e ocidentes outras formas religiosas com que entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver.
......Tudo isso nós perdemos. De todas essas consolações nascemos órfãos. Cada civilização segue a linha íntima de uma religião que a representa: passar para outras religiões é perder essa, e por fim perdê-las a todas.
......Nós perdemos essa, e às outras também.
......Ficamos, pois, cada um entregue a si próprio, na desolação de se sentir viver.

......2. Um barco parece ser um objeto cujo fim é navegar; mas o seu fim não é navegar, senão chegar a um porto. Nós encontramo-nos navegando, sem a idéia do porto a que nos deveríamos acolher. Reproduzimos assim, na espécie dolorosa, a fórmula aventureira dos argonautas: navegar é preciso, viver não é preciso.
......Sem ilusões, vivemos apenas do sonho, que é a ilusão de quem não pode ter ilusões. Vivendo de nós próprios, diminuímo-nos, porque o homem completo é o homem que se ignora. Sem fé, não temos esperança, e sem esperança não temos propriamente vida. Não tendo uma idéia do futuro, também não temos uma idéia de hoje, porque o hoje, para o homem de ação, não é senão um prólogo do futuro. A energia para lutar nasceu morta conosco, porque nós nascemos sem o entusiasmo da luta.

......3. Uns de nós estagnaram na conquista alvar do quotidiano, reles e baixos buscando o pão de cada dia, e querendo obtê-lo sem o trabalho sentido, sem a consciência do esforço, sem a nobreza do conseguimento.
......Outros, de melhor estirpe, abstivemo-nos da cousa pública, nada querendo e nada desejando, e tentando levar até ao calvário do esquecimento a cruz de simplesmente existirmos. Impossível esforço, em quem não tem, como o portador da Cruz, urna origem divina na consciência.
......Outros entregaram-se, atarefados por fora da alma, ao culto da confusão e do ruído, julgando viver quando se ouviam, crendo amar quando se chocavam contra as exterioridades do amor. Viver doía-nos, porque sabíamos que estávamos vivos; morrer não nos aterrava porque tínhamos perdido a noção normal da morte.
......Mas outros, Raça do Fim, limite espiritual da Hora Morta, nem tiveram a coragem da negação e do asilo em si próprios, o que viveram foi em negação, em descontentamento e em desconsolo.
Mas vivemo-lo de dentro, sem gestos, fechados sempre, pelo menos no gênero de vida, entre as quatro paredes do quarto e os quatro muros de não saber agir.”

.....................................................................Fernando Pessoa
....................................................................“Livro do Desassossego” In: “Obra Poética”
.....................................................................org. Maria Aliete Galhoz. Ed. Aguilar, 1965

 

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