Encontro Internacional
pelo 4º Centenário
de Nascimento
do P. Antônio Vieira – CELP – USP - 2008
UNIDADE E DIVERSIDADE
NA OBRA DE VIEIRA
EIXOS ARTICULADORES DE SEU DISCURSO
José
Jorge Peralta
(Texto Resumido)
DIMENSÃO DO TEMA
1.
Introdução
Neste trabalho iremos lançar um olhar sobre Vieira e sua obra. Este é
um olhar crítico de quem olha este autor com profundo respeito e admiração.
É um olhar de quem vê em Vieira um paradigma de competência, criatividade,
seriedade e humanismo.
Este é um estudo feito
a partir de uma perspectiva semiótica. Abordamos Vieira em sua intertextualidade,
buscando detectar os eixos articuladores de seus discursos.
Vemos
no Sermão da Sexagésima a gênese
articuladora de toda a sua obra que terá a grande síntese na Clavis Prophetarum.
Olhamos
Vieira como exímio pensador e como
um reformador social, que busca
a implantação do Reino de Cristo na Terra, com justiça e liberdade, consciência cidadã e responsabilidade
social; com uma visão de mundo
grandiosa em suas perspectivas.
Vieira
seguiu sempre um consistente princípio
único, articulador de toda a sua diversidade.
Nele não há antagonismo, na visão de céu e terra. Há muitos paradoxos que
desafiam os pensamentos lineares e provocam nossa competência de articular
“conflitos”. Há intercomplementariedade.
Por isso ele disse, nos
Açores, que prega “com os olhos no céu,
com os olhos na terra e com os
olhos no Evangelho”.
Este olhar deu unidade a toda a sua vida e
a toda a sua obra. Neste trabalho procuramos detectar essa unidade, na diversidade da vida e da obra do grande Vieira, em todo
o seu legado à humanidade.
2. Vieira na História – Seu Legado
Antônio Vieira ocupa um lugar privilegiado entre os agentes mais
destacados da história de Portugal, do Brasil e do mundo. Foi um homem que
marcou presença indelével, em todo
século XVII, com reflexos perenes na posteridade.
Viveu intensamente nos seus 90
(noventa) anos de vida. Aos 16 (dezesseis) anos já estava atuando. Teve
uma vida de alta produtividade.
Legou à posteridade um patrimônio riquíssimo
em sabedoria, experiência e muitas interrogações. Preparou esse patrimônio com plena consciência e muito devotamento ao seu povo e à humanidade. Em
Vieira encontramos muita ciência, muita experiência e grande sabedoria e visão
social.
II – VIEIRA MÚLTIPLO
1. Um Homem de muitas Competências
Foi um homem complexo que soube exercer sua missão de cidadão,
em diversos campos da atividade humana. Foi um homem de muitas competências
e de uma personalidade integra. Foi um homem de um só rosto e de uma só palavra.
Foi um homem coerente e firme.
Produziu uma obra múltipla:
- Foi orador genial,
considerado o Príncipe dos Oradores evangélicos da Igreja, ao lado do grande São
João Crisóstomo, de S. Paulo, de Boussuet, Santo Antônio de Lisboa/Pádua,
entre outros;
- Foi religioso da Companhia
de Jesus, dedicado aos compromissos de sua Instituição e à evangelização
dos povos;
- Foi um conselheiro real
da Corte de Lisboa;
- Foi diplomata, atuando
em missões por diversos países da Europa, onde foi negociar, os interesses
de seu país;
- Foi Teólogo e Filósofo , intérprete das Sagradas Escrituras
e das doutrinas dos grandes filósofos e teólogos, co destaque para Agostinho
de Hipona, Cêneca, Platão, etc.
- Foi Professor de Filosofia, Teologia e Retórica, em
Recife e em Salvador da Bahia;
- Foi um sagaz Estrategista
propondo alternativas para a solução de problemas e tomadas de decisão;
- Foi um grande Escritor
e um primoroso
Artista da Língua Portuguesa, a ponto de ser chamado, por Fernando Pessoa,
o Imperador da Língua Portuguesa;
O Bispo de Viseu D. Francisco Alexandre Lobo (Séc. XIX), diz de
Vieira:
“Nenhum
povo possui jamais, nas obras de um só homem tão rico e tão escolhido tesouro
de sua própria língua, como nós possuímos deste notável jesuíta.”
(D. Francisco A. Lobo – Discurso Histórico
e Crítico p. 129)
- Foi missionário intrépido
e dedicado também nas Missões da Amazônia e da Bahia. Foi grande estrategista.
Trabalhou 5 (cinco) anos nas Missões da Bahia, na década de 1620 e trabalhou
nas Missões da Amazônia 9 (nove) anos, na década de 1650. Estas consideram-se
as mais extensas e densas missões
da História da Igreja(a conferir). Atendeu milhões de índios, em um território
imenso, cheio de terríveis dificuldades, computando também as dezenas de línguas diferentes que os jesuítas
precisavam aprender para se comunicarem.
Ver Sermão do Espírito Santo
e Sermão da Epifânia. Ver também:
“Perfil de Vieira” in www.vieira400anos.com.br/perfil.
2.
Vieira e Pessoa
Vieira foi múltiplo como Fernando Pessoa, mas sem heterônimos.
Enquanto Pessoa foi múltiplo literariamente, Vieira já foi múltiplo na vida
prática.
3. Vieira Peregrino
Vieira foi ainda um grande peregrino,
pela Europa (Atlântico, mar Mediterrâneo e Mares do Norte) e por diversos
países (Portugal, Itália, França, Holanda, Inglaterra, Espanha).
Percorreu muitos milhares
léguas a pé e de canoa, por nosso grandes rios do nordeste e da Amazônia.
4. Sermões Pregados/Escritos e Cartas
Vieira pregou milhares de Sermões. Legou-nos 210 (duzentos e dez)(?) escritos e
alguns somente alinhavados. Alguns de seus Sermões são apreciados entre os
sermões mais veementes que se ouviram em púlpito cristão.
Escreveu mais de 700 (setecentas) Cartas e muitos textos políticos,
estratégicos e normativos.
Vieira foi de uma produtividade incrível. Foi muito fértil.
5. Clavis Prophetarum
A Obra Máxima – A Grande Síntese
Escreveu também a Clavis
Prophetarum (Chave dos Profetas), considerada sua obra máxima. Clavis Prophetarum, para ele, era superior a tudo o que fez em toda a sua
vida.
Na Clavis Prophetarum,
Vieira coloca toda a experiência acumulada
em sua longa e múltipla existência. São setenta (70) anos de vivência, reflexão
e produção.
Foi como uma grande síntese.
Diante desse rápido inventário, fica claro que estamos diante de
um homem e de uma obra de grande complexidade: um homem múltiplo, com uma obra
múltipla.
III – A UNIDADE NA DIVERSIDADE
EIXOS ARTICULADORES
1. Eixos Articuladores e força Motriz
Diante de tão grande diversidade
resta-nos saber se é possível encontrar alguns elos que possam detectar alguma unidade em tudo o que Vieira fez.
Precisamos encontrar os eixos
articuladores de toda a sua obra e as suas
forças motrizes que a gestaram e impeliram. Precisamos se possível, buscar
os grandes paradigmas que sobressaem
em seus escritos.
Depois de uma longa e atenta busca, verificamos que algum de seus
paradigmas reiterados em Sermões e Cartas, são:
a dignidade humana , a liberdade, a responsabilidade, a justiça,
a qualidade de vida e bem-estar, a defesa dos excluídos e trabalhos de inclusão,
a auto- realização pessoal e social das pessoas, a sabedoria e a consciência,
etc, sempre numa cosmovisão e profundamente
humanista e cristã.
Depois: combate sem trégua a ganância, a violência,
a pusilanimidade/omissão, a ignorância, a escravidão, a discriminação, etc,
etc.
2. Conceito de evangelização - Conscientização
Vimos que Vieira chamava a todos esses paradigmas: evangelização.
Vimos que, como Sócrates,
Vieira quer que as pessoas sejam conscientes
para não serem levadas e lesadas por sofismas
que trapaceiam fazendo das pessoas objetos de interesses escusos...
3. A Maiêutica Socrática
Por isso a interrogação
é uma constante
Compulsando os Sermões, vimos que cada um é um tratado sobre determinado comportamento.
4. Código de Ética/Código de Vida
Vimos que, organizados por grupos
temáticos, os Sermões apresentam-se-nos como um Código de Ética completo ou um Código
da Vida, capaz de contribuir efetivamente para extirpar os grandes vícios, a corrupção
e os atos anti-sociais na sociedade
dos humanos e a injustiça e a igorância e a truculência.
Os Sermões são obras mestras de Grande Educador da sociedade.
5. O Macro-texto de Vieira
Percebemos então que os Sermões e Cartas de Vieira, e os demais
documentos que produziu, são um MACRO-TEXTO.
Nele o autor desenvolve, com grande coerência
e articulação, os princípios capazes de criar uma sociedade
de pessoas mais livres, solidárias e conscientes. Uma sociedade de pessoas, de gente, que vive e convive, pensa e sente,
decide, faz, produz e aprende sempre.
Vimos, enfim, que para Vieira, alcançar estes objetivos é construir
um mundo melhor para todos.
6. Evangelização = Humanização
Para Vieira, tudo isto é obra da Evangelização de que faz parte a Humanização.
IV – CLAVIS PROPHETARUM: ARTICULAÇÃO DA OBRA
DE VIEIRA
1. O Reino de Cristo na Terra
Finalmente vimos que a Clavis
Prophetarum é, de fato a sua obra magna, a grande síntese. A Clavis é sua obra de maturidade.
Com a Clavis Prophetarum
Vieira quis articular toda a obra de
sua vida.
Onde Vieira quis chegar? Qual o seu objetivo em toda a sua obra
múltipla?
- A Implantação do Reino de Cristo na Terra. Foi isto que ele sempre fez...
- Na Clavis o luso-Cristo-centrismo
evolui para o cristocentrismo.
- De entre as muitas e grandes
utopias que foram se desenvolvendo, na Europa até o sec. XVII, a Clavis
é a única universal em sua proposta e abrangência.
O fato de a Clavis ter
chegado até nós inacabada não lhe diminui o mérito e a projeção. Mas parece
claro que esta obra foi intencionalmente escondida por alguns séculos...
3.
Falso Paradoxo
Mesmo com os olhos em Deus, Vieira nunca deixou de pisar firme
na terra dos homens.
Como pregou? –“Com os olhos no céu, com os olhos na terra,
com os olhos no Evangelho” (Sermão
nos Açores, 1654).
Estes elementos garantem a grande
unidade de tudo o que fez, dentro de excepcional
diversidade de sua atuação.
A Inquisição questionou e refutou a idéia de Reino de Cristo na Terra, acusando autor de judaísmo.
Vieira se defendeu insistindo que é aqui que começa o Reino de Cristo, sim senhor. A questão é saber o
que é o Evangelho... Qual Evangelho de cada um... Esta polêmica não acabou.
O paralelismo entre Vieira e Bernardes, feito por A. Feliciano
de Castilho, sempre divulgado, deve
ser descartado como inadequado ao pensamento de Vieira.
3. Visão Profética da Globalização: A Praça
Universal
Vieira foi o primeiro que pensou o mundo
globalmente. Cunhou a marca
Praça Universal; outros preferem: Feira Universal, onde todos se encontram,
vivem e convivem como na Ágora ateniense...
É uma idéia motriz revolucionária de alto poder de conscientização das pessoas.
É uma idéia profética. Anteviu o nosso
mundo globalizado.
V- A CHAVE ENCOBERTA
1.
A Chave da Obra de Vieira
Vieira ao elaborar sua obra máxima, a Clavis Prophetarum, estava dando a chave da leitura de todos os seus Sermões e Cartas: a chave de toda a sua atuação política, diplomática
e social. Sabemos agora que em tudo o que ele fez tinha um grande projeto que procurava realizar; implantar
o Reino de Cristo na Terra.
Magnífica e desafiante UTOPIA...
Cada um de seus Sermões era o desenvolvimento de um capítulo e
de um tema para educar o povo,
para despertar a consciência do povo, para
superar a mesquinhez que perpassa muitas
ações humanas; para dar grandeza às pessoas; para que as pessoas parem de
se apequenar a si mesmas.
2.
O Projeto de Vieira
Efetivamente Viera traçou um grande projeto. Foi desenvolvendo, capítulo por capítulo, no percurso
de uma ação articulada e coerente.
Quis estabelecer um grande Código
de Ética, que mais diria um Grande Código de Vida, onde a pessoa é
chamada a refletir com consciência
e lucidez sobre sua ação, consigo mesma e em suas relações com as pessoas
de sua comunidade e do mundo.
A pessoa é chamada a rever e repensar suas ações, convicções e
sua coerência com os princípios que adota. É chamada a rever seu projeto de vida e suas relações consigo,
com os outros e com Deus. É convidada a se superar.
Esta é uma questão sempre atual e em foco.
3. Clavis Prophetarum - Encoberta
Depois disto só nos resta sentir pelo que se fez com a Clavis Prophetarum. Por que foi ocultada
do público? Quem? Porquê? Para o quê? Mas o sonho não acabou. Sonhar sim,
mas em plena consciência.
Está na hora de jogar no lixo da história todas as falcatruas,
infâmias e injúrias que a Inquisição e o Pombalismo lançou sobre Vieira e
sua obra, e que muitos incautos mal informados ainda repetem.Vieira também
está encoberto há 350 anos. Está na hora de descobrir a obra e o homem e apreciar a herança que nos
legou, sem preconceitos e com liberdade.
“Depois
de vários anos de estudo dos escritos de Vieira e de muitos dos seus comentadores,
ficou-nos muito cedo a impressão de que o essencial de sua obra ficara traído.
Esta impressão foi-se lentamente, transformando em convicção.”
Antônio Lopes SJ. in Vieira,
o Encoberto.
Ed. Principia, Cascais,
1999.
VI - BIBLIOGRAFIA SUMARÍSSIMA:
1-
Vieira, Guerreiro do Humanismo - J. Jorge Peralta, in www.vieira400anos.com.br/estudos.
2-
Vieira, um Grande Mestre a Descobrir - J. Jorge Peralta, in www.vieira400anos.com.br/estudos.
Leia ainda:
3- Vieira, o Encoberto, António Lopes SJ. – Ed. Principia, Cascais,
1999.
4-
A Plenificação da História
5- Vieira – Profecia e Polêmica,
José van den Besselaar, Rio, Ed. UERJ,2002.
6- Ver bibliografia básica:
in www.vieira400anos.com.br/vieiraparapesquisadores
Consulte
o websitio:
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